domingo, 30 de maio de 2010

paralelo abstrato de um falso outono

 *Andreas Sjiodin

dos agoras nunca sentidos
a combustão do instante
a hora pichada estática
deixa de ser momento
na mesma muralha
que retem os dias em mim
sem delir em mim mesma
a noite semi-derretida
em labaredas negras
no negrume da calçada...
na cabeça pesada,
acentada, dolorida
gira... gira... mil voltas...
como mariposas douradas
na fumaça da papoula...
nas espumas do tempo...
enquanto busco a vida
para me agarrar sem dó...
no terror lenitivo
que me faz entender
o sarrido de palavras poucas
de quem quer e não diz...
tomara! de uma só vez...
engole o efêmero
das minhas delicadezas roucas
frutos da pausa sem sossego
ao retalhar pensamentos
e construir irrealidades
para um mundo morfético...

*escrito no movimento de Dead Can Dance / "The Ubiquitous Mr. Lovegrove".

terça-feira, 11 de maio de 2010

diálogo com ninguém: um sutil desabafo!

*Imagem de Crissant - do Blog "ColoRaysMe"

(...) se vivo uma insatisfação, um jamais satisfazer-me - que me compõe um movimento de sempre ir um pouco mais além - não tenho também por obrigatoriedade satisfazer ninguém: quer seja com ideias sempre concluídas, seja com conceitos reconhecíveis, seja criando um ninho de elos seguros que reconfortam seus pensamentos e desejo... as palavras galopam ao sabor do vento: independentes de seu uso,  independentes dos sentidos ou da capacidade de compreensão de quem aqui lê...

terça-feira, 4 de maio de 2010

há que se dizer ainda...


"Traça-se à arte limites muito estreitos, se exige que nela só se possa exprimir a alma ordenada, moralmente equilibrada. 

Como nas artes plásticas, assim também na música e na poesia, há uma arte da alma feia, ao lado das belas almas; e os efeitos mais poderosos da arte - quebrar almas, mover pedras e transformar animais em homens - talvez tenha sido precisamente essa arte que mais os conseguiu." 

Nietzsche - (Humano, Demasiado Humano - afor. 152)

*pedido

eu peço mais um trago do seu cigarro, mais um gole, uma nova vida... eu peço paciência, boa vontade e esforço... peço que se vire sozinho, que não me ligue, que caia na noite sem mim...  que dê comida ao cachorro... que cale a boca, que não me condene...  que saia da minha cama... peço para fugir... peço para ser alguma coisa que ainda desconheço, mas que está dentro de mim... peço que me confidencie segredos... peço que se dispa... peço sua amizade... peço para apagar a luz... peço mais um gole disso aí... peço mais um gole... peço uma pergunta... peço uma resposta - e não rio de nada... rio de tudo... peço o último sopro, peço o esgotamento (o seu, é claro)... peço uma vida nova (já disse isso, não?!)... uma carona para onde você for... peço um lugar para dormir e esperar a chuva passar - qualquer canto serve... peço que leia esta porcaria... peço conselhos... peço um tiro na testa... peço para ganhar só dessa vez... peço uma nova rodada do seu jogo... peço minhas coisas de volta... peço que se foda... peço que não me interrompa... peço sinceridade... peço para não parar e não parar e não parar... peço mais uma dança... peço mais uma dose dessas coisas tão transparentes com gelo e limão... peço um minuto de silêncio... peço esclarecimentos... peço para me desamarrar - pois a brincadeira acabou... peço para me escutar... peço para me dizer... peço uma aspirina ou algo mais forte... um copo de água... um pouco de caos... um futuro... peço fogo - ninguém tem... peço para acabar logo... ou para acabar jamais... peço que volte... mando você ir... peço o troco... ou tudo ou nada... peço com um grito agudo sua voz grave dentro de mim... peço demissão... peço um beijo... peço mais um trago... peço que não se aproxime... peço aos céus um dia de chuva e um de folga... peço que não me abandone... peço que você não me procure... peço licença ao entrar... nem bato na porta... peço para não ter que sorrir, para que não falem de mim... peço calma quando não tenho... peço sanidade... peço uma vida nova... um tapa... um tempo... outro tapa... tudo o que peço passo a deixar de pedir...

*e não costumo pedir tanto, mas esta carência nos meus pedidos é, além de exortações, um ato de expurgação... lamento que não possa me pedir para parar de pedir... na verdade, não lamento nada...

*ao som de Clan of Xymox - Creatures.

sábado, 1 de maio de 2010

Poesia-conceito

 


O poema é esquecer-se numa presença...

é tentar-se viver e querer livrar-se

num conhecer submerso à descrença

e à impaciência alheia...

perder-se nos olhos esburacados

de quem para para ler...

No poema viramos uma semente

que brotará algo que não somos

algo que morre ao virar verso...

algo que vive nos conceitos de alguém...
nós nos outros

depois que deixamos de ser "nós" apenas...

espera...

 *Pino / Desire


Chora as mãos no meu corpo...
treme enquanto me ousas
antes o passo da boca
antes tristeza, antes conflito
geme o momento sempre único
viva segundos mais que horas
amor mais que saudade
vida mais que solidão.
Que eu seja sempre
teu momento último
em cada momento teu...
Pois o rabisco
que me deixas na alma
dissolve-se na parte longínqua
da nossa história distante
no emblema da loucura
na carícia desta ausência
aqui...
puros que somos
todos os falsos culpados...

carcaça


a carcaça que me leva dias à frente dói como aquele desespero que nos toma de uma só vez - este monstro de fuligens que  nossas narinas e boca  cobre com as mãos...

estas letras rastejam com a carcaça, como se ela arrastasse consigo grilhões de uma condenação - num cortejo barulhento, aos gritos do ferro ao chão...

a carcaça às vezes oprime seu conteúdo, faz valer-se mais que o ser que lhe fundamenta, que lhe dá sentido - como se fosse oca, move-se, galopando desordenadamente nos movimentos repetitivos do acaso...

tédio


*Zdzislaw Berksinski

Um segundo de tédio 
é todos os segundos de tédio.