domingo, 1 de agosto de 2010

Colcha de Retalhos



As mãos são levadas a boca para que, na necessidade de palavras, estas sejam contidas em estremecimentos internos e maior intensidade: o ar sai da boca com dificuldade e pensar, transformar o momento em qualquer coisa lógica, se torna uma tentativa insuportável.

É quase dia, quase uma nova manhã. Os raios frágeis de luz criam uma aura multicolorida em torno do corpo que lhe cobre e lhe impulsiona em direção as suas profundezas, que buscam emergir de si em transbordamento.  A pele queima, a vida queima, e tudo renasce mais uma vez.

(...)

Seu lar é uma grande caixa de concreto propositalmente decorada para que não se pareça tanto com uma caixa. Há frio por onde os olhos correm. Há frio nas horas poucas apontadas pelo relógio. Pássaros começam a gritar do lado de fora. Queria se fundir com a textura fina e macia dos lençóis, com a brancura pura do cobertor – nem que seja por mais cinco minutos. Mas o mundo grita lá fora e os pássaros gritam em coro com o mundo. Não basta querer permanecer ali: os músculos se contorcem, o estômago gira e uma sensação ultimamente comum lhe preenche a alma. Projeta-se medo? Como tudo poderia ser diferente?

(...)

A chuva cai e o corpo curva-se, como se a pele esperasse pela água que pinga irremediavelmente dos céus, como se palavras e sentimentos banhassem seus movimentos. A fome por dançar cresce. Faz ofegar o corpo e desnorteia os sentidos. Nada é estático, tudo deixa de ser destino. Num ato sustentador deste momento, cerra os olhos e abre os braços para que nenhuma gota deixe de ser absorvida pela entrega. E a chuva corre em seu corpo em busca de uma paragem, do curto momento em que também vira corpo para se esvair na terra vermelha, no cheiro do pó fecundo. E, com o peito aberto para o horizonte, livra-se dos pensamentos, do passado, da exigência com o futuro... livra-se até mesmo de si na vivência plena de si, e vira multidão – de sentimentos e movimentos confusos; rodopia no turbilhão envolvente de possibilidades.
O corpo cai sob o céu e funde-se com o calor da terra. Na boca, um novo gosto, nos lábios uma nova cor. Os cabelos rebeldes gotejam, enquanto o ar lhe toma os pulmões. O que supostamente parece solidão tem um sabor liberto e transcendente (...)

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