quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Prelúdio




1.

sou estas ondas
sustenidas
suspensas em tudo
que encontram no seu corpo
contrapontos e obstáculos não-resistentes
que me fazem ecoar
e me propagar em vago espaço
por minha existência preenchido
em 1/4 qualquer de meia-luz

*Mischa Maisky no cello

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Somente para os raros

Eu, Lobo da Estepe, vago errante
pelo mundo de neve encoberto;
um corvo sai de uma árvore, adejando,
mas não há corsas por aqui, nem lebres!
(...)
Por que de mim há de afastar-se tudo
quanto faz esta vida mais alegre?
(...)
ouço o soprar na noite fria
com neve aplaco o fogo da garganta
e levo para o diabo a minha alma.

(Hermann Hesse - O lobo da estepe)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Novalis e seu Hino à Noite (lindíssimo...)


"De entre os seres vivos que têm o dom da sensibilidade haverá algum que não ame, mais do que todas as aparições feéricas do extenso espaço que o rodeia, a luz, em que tudo rejubila as suas cores, os seus raios, as suas vagas; e a suave omnipresença do seu dia que desponta?

Como se fora a alma mais íntima da vida, respira-o gigantesco orbe dos astros sem repouso, que flutua dançando no seu fluxo azul - respira-a a pedra faiscante, que sempiterna paz, as plantas sugadoras e meditativas, e os animais selvagens e ardentes, de tão várias figuras - todavia, mais do que todos, respira-a o excelso Estrangeiro, de olhar pensativo, passos incertos, lábios docemente apertados e repletos de harmonias. Como um rei da terrestre Natureza, ela convoca todas as potências para inúmeras transformações, prende e desprende perenes vínculos e envolve todos os seres terrenos, na sua celeste imagem. Somente pela sua presença desvela toda maravilha dos impérios do mundo.

Para além me volto, para a sacra, a indivizível, a misteriosa noite. Longínquo o mundo jaz - decaído para uma funda cripta - e ermo e solitário é o seu lugar. Nas cordas do peito sopra uma profunda nostalgia. Em gotas de orvalho me quero deixar afundar (...)"

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

NIHIL

lanço uma pedra
nas sedutoras aparências
do sentido, beneficentes...
e acerto os dentes
da representação

(fissuro o encanto da superfície do mundo...)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

para além do sol...


asas peroladas
mais alto se elevam
nas brasas solares buscam encontro,
e para além destas
me guiam
num sentido potencializador de mim
livra-me de tudo
ultrapassa adversidades...
transcende identidades
e mesmo que eu vire fragmentos nesta viagem,
tocando o teto do mundo,
a dança última expansiva,
jamais encerrará a razão
nem atrofiará meus sentidos impressos...
no encontro de mim e desta possibilidade
eu me basto...

domingo, 20 de dezembro de 2009

INVERSÃO


ao fletir dos braços,
o magma da perna firme
na mão de sóbrio frio...

nos olhos vivos entre a penumbra,
a boca febril encontra
supressão de palavras galopantes

inverte a vida toda:
horas sem minuto,
o quente que não dói
o frio que vivifica...

*para ler ao som de "Faun - Egil Saga"

casulos...

Novos tempos brotam das gotas de água...
assim posso prever...
novas nascentes e novas sementes...
configurações exclusivas para o mesmo ser...

a pele palpita e flameja
que na potência de si transforma
gestos brandos e leve dança
saímos eternamente de um casulo (- não o mesmo casulo, nunca!)
abandonamos a casca inerte
e criamos o movimento...

de todos os medos sem caminhos
agora, todos os caminhos sem medo...

e na leveza caminhamos
e caminhamos quando não há leveza...

(há quem por medo do caminho,
no casulo permanece,
e apodrece ainda na casca,
sem ser tocado pelo primário filete de sol...)

Rilke e Eu

"No mundo, a coisa é determinada, na arte ela o deve ser mais ainda: subtraída a todo o acidente, libertada de toda a penumbra, arrebatada ao tempo e entregue ao espaço, ela se torna permanência, ela atinge a eternidade. (...)"

§

"Quero viver como se o meu tempo fosse ilimitado. Quero me recolher, me retirar das ocupações efêmeras. Mas ouço vozes, vozes benevolentes, passos que se aproximam e minhas portas se abrem..."


Para conhecer melhor Rilke: http://www.culturapara.art.br/opoema/rainermariarilke/rainermariarilke.htm

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Inquisidores de papel

Inquisidores de papel!
chantagens emocionais
sombra grotesca que avança sem ser sentida
vozes chamam o nome da indiferença
mas a vida é pequena
os dias passam
nem quentes
nem frios
e os caminhos pontiagudos
campos vastos em sensações
cravados constantemente pelos meus passos
firmes...
não mais anestesiados...
vivo cada coisa
e o que não me pertence
deixo para o vento levar
ou para apodrecer ao relento!

sábado, 12 de dezembro de 2009

regresso a familiaridade

Parke Harrison (imagem)
regresso viajante
vago por muitas veredas
campos intermináveis
contatos de dimensões multifaces
de muitos cálices bebi
trocas indefinidas
gosto acre, gosto doce, gosto ácido...
mas este céu escuro volta a ser só meu
morada plena de palavras familiares
meu
labirinto escuro...
meu
ninho de palavras...
meu
luar lúgubre...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Texto de Anais Nin... (delícia)


Prezado colecionador:

O sexo perde todo o seu poder, toda a sua magia, quando se torna explícito, abusivo, quando se torna mecanicamente obcecante. Passa a ser enfadonho.

Nunca conheci pessoa que melhor provasse o erro que é não se lhe juntar a emoção, a fome, o desejo, a luxúria, os caprichos, as manias, os laços pessoais, relações mais profundas, que lhe mudam a cor, o perfume, os ritmos, a intensidade.

Nem o senhor sabe o quanto perde com esse seu exame microscópico da atividade sexual e a exclusão dos outros aspectos, que são o combustível que a faz atear. Intelectual, imaginativo, romântico, emocional. Eis o que dá ao sexo as suas surpreendentes texturas, as mudanças subtis, os elementos afrodisíacos. O senhor restringe o seu mundo de sensações. Disseca-o, definha-o, tira-lhe o sangue.
Se o senhor alimentasse a sua vida sexual com todas as aventuras e excitações que o amor instila a sensualidade, seria o homem mais poderoso do mundo. A fonte da potência sexual é a curiosidade, é a paixão. O que o senhor vê é sua débil chama a morrer de asfixia. O sexo não pode medrar na monotonia. Sem invenções, humores, sentimentos, não há surpresa na cama. O sexo deve ter à mistura lágrimas, riso, palavras, promessas, cenas, ciúme, todos os condimentos do medo, viagens ao estrangeiro, novas caras, romances, historias, sonhos, fantasias, musica, dança, ópio, vinho. O que o senhor perde com esse periscópio na ponta do sexo, quando podia gozar de um harém de maravilhas várias e jamais repetidas! Não há dois cabelos iguais; mas o senhor não quer que desperdicemos palavras a descrever uns cabelos. Não há dois cheiros iguais; porém, se nós nos detemos com isso, o senhor exclama: "Suprimam a poesia." Não há duas peles de igual textura; nunca é a mesma luz, a mesma temperatura, as mesmas sombras, nunca são os mesmos gestos; porque um amante, quando animado do verdadeiro amor, é capaz de vencer séculos e séculos de ciência amorosa. Quantas mudanças de tempo, quantas variações de maturidade e de inocência, de arte e de perversidade...

Discutimos até à exaustão para saber como seria o senhor. Se fechou os sentidos à seda, à luz, à cor, ao cheiro, ao caráter, ao temperamento, deve estar nesta altura totalmente empedernido. Há tantos sentidos menores que se lançam como afluentes no rio do sexo!

Só o bater em uníssono do sexo e do coração pode provocar o êxtase.

Anaïs Nin, 1941

Pan-erotismo: a dança da vida


(a M. Rebouças, com carinho)

Pan-erotismo: a dança da vida


Caos é uma dança, uma fluida e erótica dança da vida. E a civilização odeia o caos e, por isso, também odeia Eros. Mesmo no suposto tempo livre da sexualidade, a civilização reprime o erótico. Ela ensina que orgasmos são eventos que acontecem somente em algumas pequenas partes de nossos corpos e só através da manipulação correcta das partes. Isso apertou Eros na armadura de Marte, fazendo sexo numa economia competitiva, realização centralizada no trabalho, em vez de um alegre e inocente jogo.

Mesmo assim, no meio dessa repressão, Eros recusa-se a aceitar este molde. A Sua alegria e forma de dançar fazem, aqui e ali, interrupções através da armadura de Marte. Tão cegos como a nossa existência civilizada, a dança da vida continua a escorrer na nossa consciência de poucas formas. Um olhar para o pôr do sol, estar em pé no meio da floresta, subir uma montanha, ouvir pássaros cantarem, estar descalço em uma praia, e começaremos a sentir uma certa exaltação, uma sensação de temor e alegria. Isso é o início de um orgasmo no corpo inteiro, não se limitando às, assim chamadas, “zonas erógenas” da civilização, mas a civilização nunca deixa os sentimentos se auto-realizarem. Caso contrário, perceberíamos que tudo o que não é produto da civilização é vivo e alegremente erótico.

Mas alguns de nós estão lentamente despertando da anestesia da civilização. Nós estamos cientes que cada pedra, cada árvore, cada rio, cada animal, cada ser no universo não está apenas vivo, mas que está mais vivo do que nós seres civilizados. Esta consciência não é apenas intelectual. Ela não será uma outra teoria acadêmica transformada pela civilização. Nós sentimos isso. Nós ouvimos as canções de amor dos rios e das montanhas e enxergamos as danças das árvores. Nós não mais queremos usá-las com coisas mortas, uma vez que elas estão muito vivas. Nós queremos ser seus amantes, incorporar-se nas suas lindas danças eróticas. E ela fascina-nos. A dança da morte da civilização congela cada célula, cada músculo dentro de nós. Nós sabemos que seremos desastrados bailarinos e amantes desajeitados. Nós seremos loucos. Mas a nossa liberdade está na nossa insensatez. Se podemos ser loucos, temos de começar a quebrar as cadeias da civilização, temos de começar a perder a nossa necessidade de consumir. Sem a necessidade de consumir, temos tempo para aprender a dança da vida; temos tempo para nos tornarmos amantes de árvores, pedras e rios. Ou, mais precisamente, o tempo, para nós, passa a não existir e a dança passa a ser as nossas vidas ao aprendermos a amar tudo o que vive. E se não aprendermos a dançar a dança da vida, toda a nossa resistência à civilização será inútil. E esta continuará mais uma vez a governar dentro de nós e voltaremos novamente a criá-la.

Por isso dancemos a dança da vida. Vamos dançar desajeitados e sem vergonha, e quem de nós, pessoas civilizadas, não é desastrada? Vamos fazer amor com os rios, as árvores, as montanhas; com os nossos olhos, os nossos pés, as nossas mãos e os nossos ouvidos. Deixa todas as partes do corpo despertar o erótico êxtase da dança da vida. Vamos voar. Vamos dançar. Vamos curar. Descobriremos que as nossas imaginações são fortes, que fazem parte da dança erótica que pode criar o mundo que desejamos.

por Feral Faun

Do panfleto, “Rants, Essays and Polemics of Feral Faun (Declamações, Crônicas e polêmicas do Feral Faun)” - Chaotic Endeavors, 1987. Reimpresso no Green Anarchy #10 (Fall 2002)

domingo, 6 de dezembro de 2009

limitações


Eg har gjørt død til liv...
Men eg kan ikkje gå i døden for deg...

(eu transformei a morte em vida... mas eu não posso morrer por você... - em norueguês)


da compreensão alheia (ou sobre a inexistência desta)


"(...) "é preferível fazer qualquer coisa que não fazer nada" - esse princípio também é uma corda apropriada para estrangular todo gosto superior." - Nietzsche (Gaia Ciência, #329, p. 226)

(pequeno fragmento que resume simplesmente o meu modo de ver a produção artística como um todo... é também minha homenagem a este que há tempos faz morada entre meus livros... )

Poeta é aquele que sai da zona de conforto...

A poesia só habita
moradas sem conforto...
- (a posteriori, encontra outros ambientes talvez)
quando renega a si
e mesmo a opinião dos outros...
e se deixa guiar pela fluidez do lápis
criando novos cais ou novos abismos...

Comprometer-se com aquele que lê
- intenções de estratégias pessoais -
é desejo de evidenciar seu próprio ego,
é querer recompensas:
não por palavras pertinentemente desabrochadas,
mas pelo disfarce -
liberdade incapaz,
pensamentos tolos,
mente obtusa,
alma imatura...

"Quando etiam sapientibus gloriae cupido novissima exuitur"

Aforismo sobre o processo de inspiração

Inspiração NÃO é fazer igual...
é justamente aquilo que difere do objeto inspirado
é a DIFERENÇA,
um olhar expandido.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Reverências... (à Clarice)

(sorry... não tenho a referência da imagem)

"Viver em sociedade é um desafio, porque às vezes ficamos presos a determinadas normas que nos obrigam a seguir regras limitadoras do nosso ser ou do nosso não-ser...
Quero dizer com isso que nós temos, no mínimo, duas personalidades: a objetiva, que todos ao nosso redor conhece; e a subjetiva... Em alguns momentos, esta se mostra tão misteriosa que se perguntarmos - Quem somos? Não saberemos dizer ao certo!!!
Agora de uma coisa eu tenho certeza: sempre devemos ser autênticos, as pessoas precisam nos aceitar pelo que somos e não pelo que parecemos ser... Aqui reside o eterno conflito da aparência x essência. E você... O que pensa disso?


Que desafio, hein?
"... Nunca sofra por não ser uma coisa ou por sê-la..." (Clarice Lispector - Perto do Coração Selvagem - p.55)

--->> Pequena homenagem a um ser que ainda me causa demasiadas fascinação, identificação, curiosidade e inspiração...

corpo: poesia sensasionalista


o corpo se exibe através da dor
numa poesia ainda colorida...
Por si só,
- sempre espetáculo -
é inventário, é caminho, é fim...
e é, na maioria das vezes,
espaço renegado...
pois preferimos habitar a complexidade corpórea do outro - onde nos perdemos...

para onde fugimos...