quinta-feira, 29 de abril de 2010

a vida engatilhada...

 no gatilho da vida, a ameaça é a própria vida - não a que concebemos, mas a vida fora da vida, fora de nós... há um cano diário apontado para o nosso nariz nos impelindo a viver, assim que acordamos... de quem é este dedo que puxa o gatilho?

quarta-feira, 28 de abril de 2010

(análise) A Melancolia do Escaravelho



Sobre os meus (não meros) personagens: uma análise de criação

F. é uma mescla de duas realidades: uma sempre futura e distante, a outra, passada e intransponível. Todas reais, mas imaginadas. E a força de sua pele domestica minha alma diariamente, pois meu corpo todo e minha mente são estampados por suas palavras, pelos seus anseios, pelo seu canto de ausência e de encontro.

Eu, como também uma (não mera) personagem, sou o ponto de impacto de F., o momento em que as coisas surgem e o espaço em que elas podem viver. Às vezes sou seu contraponto, mas posso ser também o ambiente em que F. reina e se funde, ou mesmo a extensão de si e de seus atos. Posso me permitir sem aceitar julgamentos.

F. vive uma vida normal – diferente de mim. Mas possui igualmente uma vida oculta - vive a sua sanidade dentro de um espaço apropriado para ela e a loucura deixa vir nestes momentos de solitude. Estou, por vezes, na sua solitude. F. quer sempre fugir para uma destas esferas. Eu vejo seus passos com atenção e certo sadismo, confesso. Mas o compreendo inteiramente. Apesar de não participar de sua cortesia polida e socializada, tenho F. em todo o resto. Ele gosta dos holofotes, do brilho, da bebida paga, do cortejo de corpos, dos títulos, bem como parece se esquivar para um momento onde a fera que há em si precisa sucumbir e retornar. Há, sim, timidez em F. – o que o faz ainda mais interessante.

Dentro de F. há uma fera - antes que eu esqueça de me aprofundar – dentro de todos nós, afinal! E me aproximo da fera que F. é durante as tempestades noturnas que carrega em sua alma. Vivemos a fuga dele e o meu sempre retorno de mim. Alongamos os corpos num mar de palavras, de imagens, de sussurros, de mutações. Como o ópio, a fera de F. me faz queimar. Como a chuva compassada no seu rosto, o faço viver um pouco além de suas superfícies.

F. me tem nas mãos apenas nos momentos em que se subtrai do mundo comum. O seu comum eu observo com certa náusea. Há admiração de F. longe de mim e até dói quando o vejo (in) diferente, mas o aceito, porque o admiro. Lá, no “longe”, F. não é tangível. No “longe” talvez F. não me aceitasse – seriam apenas os sorrisos de sempre e nos manteríamos em águas rasas.

Mas há ainda as tardes quentes, há o ar puro travado dentro das vias nasais na ausência de amarras. Há estouros e bombardeios de ideias no gosto da saliva viva, nos dentes cravados nas várias partes do dorso, no frio da rocha abaixo de mim – que me escora em cada pulso vindos dele. Há seus olhos jamais calados e os significados disso tudo ofegados na altura do meu consentimento.

Se amo F.? Não sei ainda destas complexidades. Amo F. a minha maneira, eu acho. Amo seus braços, sua respiração, o cheiro da sua pele. Amo a ideia que me contamina. Amo seu gosto estrangeiro. Mas não penso sobre o amor: com F., eu vivo o que sou, o que ele é e o universo que compartilhamos. Ainda não penso se F. me ama – não me interessa ainda esta estranheza. Com F., vivo a criação e a criatura ao mesmo tempo, quando o criador me é internalizado – vivo a criatividade. F. me faz observar o que me atrai e sua ausência. É alguém que ainda me modifica sem querer me anular.

terça-feira, 27 de abril de 2010

ATA-ME (excerto)


 *Antônio Melo (imagem)
(...)
Enterra a carne sob a carne
Arranha o céu sem tormento
Que a boca busca
o sopro que resta
no ar que lateja
sem falso lamento
que o corpo só é caminho...
jornada de quem deseja...
(...)

CURA (um fragmento de uma memória qualquer)



a S.M.N.T. (e a mim mesma)
 
Ninguém leva a sério as palavras finais até elas deixarem de ser palavras e virarem outra realidade, virarem qualquer coisa que anteriormente já indicavam...

(...)

Daquela dor que havia antes em mim, daquele recortar contínuo de tudo o que tinha de bom, não sinto falta... pois não tinha consciência e vivência suficiente do processo de usurpação da minha alma, da tentativa de impotencializar-me, (...) hoje criei meus próprios processos multilatórios e regenerativos, sem precisar que alguém me roube o meu melhor e o meu pior para me fazer doer. Entendo também que doer faz sentido e possui um valor integrante, valor de contraponto, valor fundamental. Se ontem estirpavam de mim coisas sem me transformar em algo novo, hoje me despedaço propositalmente para entender o que sou e para viver – mesmo sabendo que o entendimento não é um fim – na verdade o entendimento nem é tanto assim...

"Só nos curamos de um sofrimento depois de o haver suportado até ao fim." (Marcel Proust)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A Melancolia do Escaravelho (excerto)

 *Lilith - John Collier (1887)

Belle journée

(...) cada peça que se parte desta imagem, cada pedaço de tecido que me esconde, leva junto ao chão o momento máximo de cada passo que dei, do passado, da infância, do sonho arenoso, da impossibilidade de adaptação, da falta, do sempre recuo de mim e do mundo... deixo partir tudo isso com a correnteza que me toma os nervos...

(suspiro...) 

a mente só vaga quando que lhe dou caminho e, nesta tarde clandestina, à curva de um sol doentil, sou, antes de pensamentos embrutecidos pelo tempo, uma extensão plena de ti, bem como tu, algo que se compõe em mim (...) a mescla do frescor e da língua; na pele sentida, nem sempre solidão, mas uma circunstância eticamente partida que torna o encontro possível...

(...)

(F. vê as tardes ligeiras e selvagens como janelas etéreas...) 

*ao gosto de Opeth / Weakness.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Semi-diálogo

a F.M.S.R.

Ao serenar os olhos em dor
A boca sujeita os pés a seguir
Em torno de si
Um pedaço do mundo
O caminho mais breve
A fenda mais funda
Porque o que vês
Refletido és tu
Nas coisas que trago
A te mostrar, sem te ser
Sem te querer
Mas me faço presente...
Uma demência, talvez...
Uma inocência traçada
Em versos esdrúxulos
Os teus, os meus
No mesmo luar
Um semi-diálogo
Sem sentido completo
Criação disforme, fecunda!
Abra os olhos
E deixe este algo nascer!
Numa trilha de sementes atlânticas
brotando coisas estranhas
num espaço tangível
pela solitude alheia...
onde passo os dedos nos teus esboços,
mas não me alimento dos teus originais,
pois estes encenam o que tu és
nesta tarde quente
e prefiro te observar com a alma...
proximamente distante!

Esmeraldas


 (em memória de P.S.)
 
atirei-me ao fogo grave dos teus olhos
e sem olhar-te
construí minhas memórias
no veludo confuso de tuas palavras...
enquanto teus acordes
ainda em mim ecoam
emoldurando meus segundos mais diletos...

(viva sempre...)

Febre

 *Pollock - "The moon - woman cuts the circle"

entre a pele e a lama
dentro, queima!
uma noite de outono
coincidência vermelha
que lateja
e chama
aclama a insônia
faz do meu rosto
um pontilhado constante
sob a pele, estilhaços
que fervem o próprio rubor...
e o nanquim entre os dedos
inflama a folha,
a parte da ideia
que grita
que dói
que se engana
na cabeça estendida...
e no papel imposto
um punho cadenciado
vibra:
palavra...
palavra...
profana!
a sombra projeta...
e não fica mais fácil
a febre noturna...
e a pele ardida,
que os pensamentos aceleram,
nada cria,
só isto!

(faça parar! quero dormir!)

*Ao gosto de: Opeth / Burden.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Certeza


Conforme passa,
busca a sorte,
a morte retrata
a velha canção
de ferida aberta
de sonhos cítricos
que estouram na língua
ao falar sobre a vida
no último suspiro
que não é relíquia
já que todos vivemos
sem antídoto...
é forte, que me toma
nos braços esquálidos
Segura a morte!
Esta sorte!
O gênio relapso
sem escolher, escolhe
os escravos
a dança
a sentença
as palavras que vagam sem vida
no campo da consciência
da mentira e do sossego
da vida torta
morta...

(des) palavra


 olho-me e vejo
o pensamento gangrenado
um raio em uma flor anil
a inconstância das nuvens disformes
minha luta cravejada de momentos
como na saliva, a raiva de quem me olha
das podas de tudo, menos do tormento
da falta daquilo que em mim estive a criar


os anos me engoliram, como fez Saturno
e nas suas entranhas, fermentei minha angústia
de ver em mim qualquer coisa
algo que prenda um momento meu
este fragmento que se dissipou
mas que virou uma poça sépia
sempre antiga
uma farsa, uma interpretação...
para eclodir em palavra
pois a palavra, sob o crivo do teu olho
deixa de existir
vira outra...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

02:24 a.m.



02:24 a.m
 (...) quanto mais eu saboto o sono, mais a insônia me sabota - sono acumulado não existe, insônia acumulada sim! Ainda assim prefiro o chicote da insônia numa noite fria de um cálido luar do que os minutos elásticos de tédio do dia miserável que se arrasta...

*Não sei a autoria da imagem...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

desgaste...


cheiro o carmim do veludo das flores mortas do morto à frente o cheiro do caos morto da morte da singularidade de nós hoje aqui agora na fenda do advérbio a revolta já basta a contra-revolução quieta e a quietude obscena que nos marca em camuflagem do sol que nos brilha dos dentes do sorriso torto tão lindo e diário tão morto em nós tão podre como o cheiro do carmim do veludo das flores mortas do morto à frente  o cheiro do caos morto da morte da singularidade de nós hoje aqui agora na fenda do advérbio a revolta já basta a contra-revolução quieta e a quietude obscena que nos marca em camuflagem do sol que nos brilha dos dentes do sorriso torto tão lindo e diário tão morto em nós tão podre como o cheiro do carmim do veludo das flores mortas do morto à frente (...) – um ciclo eterno...