terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ecos das minhas anotações (excerto qualquer)



(...) Fui tratada como alguém de fora que veio só para servir... e apesar de ser ainda maior que esses anos de solidão, sou tida como essa peça distorcida do quebra-cabeça alheio... a metade incabível do que os outros renegam em si e que em mim refletem – e nada tenho com isso – apenas brigam com seu reflexo... como se por trás não houvesse outra natureza, outro ser, outras dimensões capazes de se desintegrarem com tantas investidas...
E é por isso tudo, que estas palavras são somente minhas (e de mais ninguém), que me dou ao luxo de ter tudo o que mereço... de me achar ainda que tardiamente dentro das minhas próprias possibilidades (...)




*sem referência da imagem

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Naked

*Imagem de A. Britto

Disciplina é desejo...
Doma-se o corpo desgarrado,
Não os gostos maiores...
Meus olhos são minhas algemas
quando se põem nestas lacunas,
Nos teus novos limites,
que seguem em teu corpo...
daqui, vejo-te febril,
na tua própria ebulição silenciosa
inflama-me a garganta as palavras não ditas
e o poema se encerra nos pedidos entendidos
gritos corporificados,
vazantes e desígnios,
desejo, sempre desejo...
e disciplina...

(me molho à chuva
à sombra faminta
do teu plexo solar)




terça-feira, 30 de novembro de 2010

já fui o caos, hoje só barulho...

(de dentro do casulo, reino sobre as minhas coisas...)


me estabaleço longe da luz
pois meus contrapontos, já os sei...
e o que queima minha retina
faz o mundo ser o que é
move em lentidão o tédio
tortura-me com gosto
até nada mais de mim restar

os versos que aqui pulsam
crescem com o hálito quente
na língua da víbora
repudiações lacerantes
frente aos meus estratos desconhecidos
meus pequenos gemidos

olho-me de dentro:
estalactites... permanência
E há sempre revolução em mim...


lá fora, jazem as flores,
amassadas pela chuva
na passagem do que não me serve...

 ______
*sem referência da imagem

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Domínio

Imagem: "O abismo ao ouvir a chuva" - por Ricardo Paula

Olhos abaixo de mim,
a subir...
nas tensões que a carne quer
mira as marcas futuras, flutuantes
e mesmo assim estas desejas!
uma mancha solar respira
dentro do corpo domesticado
como se respirar tu mesmo pudestes,
do negro vão dos teus olhos verdes
ri e chora,
manso e revolto,
mas tudo entendes,
que o mundo não é fechado,
e as delícias não são só nossas...
Queima, antes, um pouco...
e antes começa a desabar,
como quem desabrocha,
realidade e vida pulsam
no desatar de tuas feições cotidianas
num mar de (desas) sossego
jardim efêmero
- segredo -
cordas nos suspendem dos céus
entrelaçam as almas "perdidas"
pernas
encontro
ressignificando a vida...
um sopro mais demorado de leveza...

domingo, 14 de novembro de 2010

Heathcliff



teu beijo sorve a vida abaixo das entranhas / a alma estranha / cinza como um dia de outono / cura para todo o tempo / todos os momentos / todas as dores / afago em animal selvagem / tão fiel / dedos incautos dedicando / entre pântanos e memórias / como quem cavalga ao vento / e no mundo nada mais tivesse / perde o olhar em tormenta / tal como se a vida pudesse ser pensada / açoite / ódio e recomeço / vingança / amor... quando chove, vê-se fantasmas nos vitrais / uma força arrebenta o peito / pequena docilidade escondida / perdida / o vento grita lá fora / retorno / sinfonia solitária / minha tempestade / passagem / parte em mim imposta / eterno...


_____
Citação clichê, mas pertinente: "Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você".
Nietzsche

sábado, 23 de outubro de 2010

memórias



Memórias me infernizam
Sempre conspirando
Contra o reflexo absurdo
nas águas profundas
na lua gloriosa
no céu negro e brumoso
Sem fim...
Dentro e sempre dentro,
Meus segredos de mim se escondem
E as memórias cavalgam,
Correm e se desprendem...
Um gole a mais de vida,
Os momentos mais uma vez encenam,
Um pouco mais de ar buscam
Fora...
Agora,
Também na imagem distorcida...
Novamente...

Eu sumo.




...


domingo, 10 de outubro de 2010

do outro lado do mundo...

 *do meu jardim

flores roxas a me olhar
...galhos arcados... 
e venta dentro de mim...

Ab abusu ad usum non valet consequentia


febre estrelada
licor em fumaça
veneno verde em mim
vigília... vigio-me...
no passo da noite
dou-me e observo
a boca sem voz
urbana, insone
- desassossego - 
ambiente carregado
de ideas a fecundar ideias
falta o corpo,
cadê?

"O homem é o lobo do homem". (Thomas Hobbes)


*Esse blog completou um ano de existência neste setembro último. Muitos momentos foram aqui entalhados. Muitos, como considero hoje, de forma miseravelmente tosca. Outros, fiéis e reais. Algumas palavras faltaram. Agradeço a todas as pessoas que por aqui passaram, comentaram e, de uma forma ou de outra, deram-me o prazer de conhecê-las. (Hoje, desde janeiro de 2010, são 2.283 visitantes). No mais, sigo convosco para mais um ano, quem sabe! Assim espero!
Obrigada!

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

(pedaço de alguma coisa sendo escrita)



(Michel Dweck - Mermaid 12)


(...) Nos olhos quase desatentos transfigura um mundo interno – pensamentos quentes e voláteis como a brisa que penetra o ambiente. Um pouco de alma, de sua própria alma transposta, carregam os pedaços silentes a serem picados entre os dedos seguros. Pedaços eternos que ela leva aos lábios com a calma e a delicadeza de um ritual, onde o corpo é a nave principal de um templo sagrado e o suco que lhe brota por entre os dentes profana e conjura ao mesmo tempo cada fibra de si –  declinam-se as pálpebras para baixo, num ato de reverência.

Quando a espera já se faz carrasca, a fome alheia lhe cerca, infiltrando as mãos por entre o vestido e a pele fresca, fazendo-a estremecer enquanto a ponta da faca se aprofunda no dedo fino, trazendo consigo uma gota de dor, de vida, de pressa, de pulso...

(...) 

O corpo sobre a mesa de madeira tem o gosto da solidão e da saudade da infância; de fruta e de chuva se fazem os lábios; do mar salgado, as lágrimas que se projetam posteriores ao pequeno corte. A boca é gelada e quente ao mesmo tempo - frio febril das flores almiscaradas que se abrem ao cair da noite no corpo, que se rompe quando os dedos traduzem anseios, içando roupas e falsos pudores. Nos seios, a suavidade cítrica das laranjas, doces e macias, tão traiçoeira como a sensação de quem olha para o céu claro em dia limpo e se perde. (...)

domingo, 8 de agosto de 2010

Intumescência



Hoje pulsei junto ao teu corpo,
Deixei-me cair e levantar
Pus-me uma mordaça,
e calei meu escuro...

Hoje me mesclei às luzes da rua,
Queimei no brilho sonoro dos teus olhos,
Enquanto gotejavas antídoto e palavras
Abafando na alma qualquer certeza...

Hoje morri ao viver,
Vivi quando te fiz morrer...
Olhei sobre os ombros e me perdi,
Num céu latente dentro de mim...


segunda-feira, 2 de agosto de 2010

o fim de mim


Das metades morrentes dos meus dias,
Palavras secas entre as páginas já viradas
Dentro de quem muda o tempo todo...
Áspero sopro nas paredes vazias
Sorriso engessado e pronto:
Palavra posta ao conforto dos teus olhos
Mais um fragmento de algum nada
Que me sufoca, me mata e que em mim vibra...
Mesmas notas ressonantes, mesmos dias
O curso nos meus pulsos segue igual
E de mim, os mesmos sentidos, as mesmas linhas
O retorno sempre eterno do mesmo final...

domingo, 1 de agosto de 2010

Colcha de Retalhos



As mãos são levadas a boca para que, na necessidade de palavras, estas sejam contidas em estremecimentos internos e maior intensidade: o ar sai da boca com dificuldade e pensar, transformar o momento em qualquer coisa lógica, se torna uma tentativa insuportável.

É quase dia, quase uma nova manhã. Os raios frágeis de luz criam uma aura multicolorida em torno do corpo que lhe cobre e lhe impulsiona em direção as suas profundezas, que buscam emergir de si em transbordamento.  A pele queima, a vida queima, e tudo renasce mais uma vez.

(...)

Seu lar é uma grande caixa de concreto propositalmente decorada para que não se pareça tanto com uma caixa. Há frio por onde os olhos correm. Há frio nas horas poucas apontadas pelo relógio. Pássaros começam a gritar do lado de fora. Queria se fundir com a textura fina e macia dos lençóis, com a brancura pura do cobertor – nem que seja por mais cinco minutos. Mas o mundo grita lá fora e os pássaros gritam em coro com o mundo. Não basta querer permanecer ali: os músculos se contorcem, o estômago gira e uma sensação ultimamente comum lhe preenche a alma. Projeta-se medo? Como tudo poderia ser diferente?

(...)

A chuva cai e o corpo curva-se, como se a pele esperasse pela água que pinga irremediavelmente dos céus, como se palavras e sentimentos banhassem seus movimentos. A fome por dançar cresce. Faz ofegar o corpo e desnorteia os sentidos. Nada é estático, tudo deixa de ser destino. Num ato sustentador deste momento, cerra os olhos e abre os braços para que nenhuma gota deixe de ser absorvida pela entrega. E a chuva corre em seu corpo em busca de uma paragem, do curto momento em que também vira corpo para se esvair na terra vermelha, no cheiro do pó fecundo. E, com o peito aberto para o horizonte, livra-se dos pensamentos, do passado, da exigência com o futuro... livra-se até mesmo de si na vivência plena de si, e vira multidão – de sentimentos e movimentos confusos; rodopia no turbilhão envolvente de possibilidades.
O corpo cai sob o céu e funde-se com o calor da terra. Na boca, um novo gosto, nos lábios uma nova cor. Os cabelos rebeldes gotejam, enquanto o ar lhe toma os pulmões. O que supostamente parece solidão tem um sabor liberto e transcendente (...)

caminhos


quero ser o risco,
espasmos entre tuas mãos e o nada
caminhos volúveis das pequenas ausências
entre meus pedaços e tua língua...
Inventa-me!
como uma penumbra própria de ti mesmo...
no gosto inconstante do que em ti escrevo
quando queres ser lido,
quando tateias meus contornos em tuas próprias sendas...

sob a chuva


tu, que nos verões bate a minha porta
faz meus tempos, meus verdes momentos
fruta esperada...
na concavidade de olhos trêmulos
criam-se palavras...
nímios sons, bocas famintas, píncaros só teus...

tu, amadureces a luz flamejante
que faz meu corpo querer ser dança
é só movimento a desfazer espaços...
estalar qualquer coisa nova
em hipertelia
dentro de mim...

tu, descobres os silêncios internos
diz, com o corpo, quem deixas escapar
ao meu gosto, te provo
na língua, dissolves formas...
no mundo, estranhamento...

tu, vento cortante!
um corpo sobre a terra,
- outro corpo, se dobra 
e lê murmúrios
de mais querer, 
faz, então, chover:
busca amparo na tempestade!
busca sentido no meu silêncio!
(...) é vida novamente...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

simples


* desconheço a autoria da imagem

é momento em que a chuva negra liberta de mim a noite; e vejo de volta a necessidade de se fazer dia em mim - o dia, um espantalho que me sorri na xícara fumegante... de ideias, nem tão profundas, sem palavras, sem sentido... como se a noite fosse uma promessa de novas linhas interiores - minhas próprias juras à sombra de mim - sempre noturna, sou um mosaico dourado...
sempre razão (?) - mais horas que lembranças, mais conflitos - nesta ilha segura, os eventos se estendem à nova aurora molhada; enquanto espero mais um ansioso dia que me ligue ao mundo com teias sempre finas, translúcidas... e os meus nós não quero mais ter que justificar, só quero viver... enlaçada por coisas livres... 

domingo, 11 de julho de 2010

da proximidade das almas extensas...

(das aulas de romeno...)


Melancolie
(Lucien Blaga)

Un vânt răzleţ îşi şterge lacrimile reci pe geamuri.
Plouă.
Tristeţi nedesluşite-mi vin, dar toată durerea,
ce-o simt n-o simt în mine,
în inimă,
în piept,
ci-n picurii de ploaie care curg.
Şi altoită pe fiinţa mea imensa lume
cu toamna şi cu seara ei
mă doare ca o rană.
Spre munţi trec nori cu ugerele pline.
Şi plouă.

_________

MELANCOLIA

Um vento só seca suas lágrimas frias
nas janelas. Chove.
Tristezas vagas me assolam, porém toda
a dor,
que sinto, não sinto, em mim,
no coração,
no peito,
mas sim nas gotas de chuva que escorrem.
E enxertado com minha vida o mundo imenso
com seu outono e sua noite
dói em mim como uma chaga.
Para os montes passam nuvens com úberes
                                       [ cheios.
E chove. 


*Poemele Luminii / Os poemas da luz

terça-feira, 22 de junho de 2010

INCONSTÂNCIA


Dentro...
            alma em tormento...
                    o vento... o vento...
                            a ceifar pensamento...
Fora...
                a hora é agora... 
                  sem mais tempo,
                        sem qualquer demora...
                            só chora, só chora...
(e a gente resiste a tudo e ainda vive...)



* SEM REFERÊNCIA DA IMAGEM

sexta-feira, 18 de junho de 2010

INSULAR


(...) 
rasgam-se espaços em movimentos quebrados
de suspiros e intenções insanas
busca tudo ou só feridas
para emudecer aquilo que um dia foi
momentos cadáveres que já não latejam
na alma de alísia claritude cinzenta...
excrescências por toda a parte
no mundo interno e sem limites...
mas rompem-se os silêncios glaciares:
nos quadris envoltos de um mundo descrente
a dança serpentina da luz crepuscular
almíscares cabelos em liberdade balançam
e na consciência que foge num falso morrer,
não seguro os olhos que se cerram adiante...
sobra o nada a abater o corpo
no topo efêmero das vicissitudes ligeiras
e nos lábios de quem quer gritar coisas suas,
pensamentos somem sem serem ditos
cai-se e partem-se mil indefinições
quando os enlaces se esvaem em ar rarefeito
e a escuridão singela é novamente constância...
(...)

terça-feira, 8 de junho de 2010

Ilusão


caos sempre límpido no relógio,
os calos latejantes das horas,
dados os ponteiros à inflexibilidade
há um tempo sem nada a memorizar
olhos que sempre buscam uma fenda oblíqua
entre números congelados na parede
como se não houvesse
chance alguma de viver
mas é plena ilusão, a hora:
nidificando confusões reais
em gotas efêmeras do tempo...

domingo, 30 de maio de 2010

paralelo abstrato de um falso outono

 *Andreas Sjiodin

dos agoras nunca sentidos
a combustão do instante
a hora pichada estática
deixa de ser momento
na mesma muralha
que retem os dias em mim
sem delir em mim mesma
a noite semi-derretida
em labaredas negras
no negrume da calçada...
na cabeça pesada,
acentada, dolorida
gira... gira... mil voltas...
como mariposas douradas
na fumaça da papoula...
nas espumas do tempo...
enquanto busco a vida
para me agarrar sem dó...
no terror lenitivo
que me faz entender
o sarrido de palavras poucas
de quem quer e não diz...
tomara! de uma só vez...
engole o efêmero
das minhas delicadezas roucas
frutos da pausa sem sossego
ao retalhar pensamentos
e construir irrealidades
para um mundo morfético...

*escrito no movimento de Dead Can Dance / "The Ubiquitous Mr. Lovegrove".

terça-feira, 11 de maio de 2010

diálogo com ninguém: um sutil desabafo!

*Imagem de Crissant - do Blog "ColoRaysMe"

(...) se vivo uma insatisfação, um jamais satisfazer-me - que me compõe um movimento de sempre ir um pouco mais além - não tenho também por obrigatoriedade satisfazer ninguém: quer seja com ideias sempre concluídas, seja com conceitos reconhecíveis, seja criando um ninho de elos seguros que reconfortam seus pensamentos e desejo... as palavras galopam ao sabor do vento: independentes de seu uso,  independentes dos sentidos ou da capacidade de compreensão de quem aqui lê...

terça-feira, 4 de maio de 2010

há que se dizer ainda...


"Traça-se à arte limites muito estreitos, se exige que nela só se possa exprimir a alma ordenada, moralmente equilibrada. 

Como nas artes plásticas, assim também na música e na poesia, há uma arte da alma feia, ao lado das belas almas; e os efeitos mais poderosos da arte - quebrar almas, mover pedras e transformar animais em homens - talvez tenha sido precisamente essa arte que mais os conseguiu." 

Nietzsche - (Humano, Demasiado Humano - afor. 152)

*pedido

eu peço mais um trago do seu cigarro, mais um gole, uma nova vida... eu peço paciência, boa vontade e esforço... peço que se vire sozinho, que não me ligue, que caia na noite sem mim...  que dê comida ao cachorro... que cale a boca, que não me condene...  que saia da minha cama... peço para fugir... peço para ser alguma coisa que ainda desconheço, mas que está dentro de mim... peço que me confidencie segredos... peço que se dispa... peço sua amizade... peço para apagar a luz... peço mais um gole disso aí... peço mais um gole... peço uma pergunta... peço uma resposta - e não rio de nada... rio de tudo... peço o último sopro, peço o esgotamento (o seu, é claro)... peço uma vida nova (já disse isso, não?!)... uma carona para onde você for... peço um lugar para dormir e esperar a chuva passar - qualquer canto serve... peço que leia esta porcaria... peço conselhos... peço um tiro na testa... peço para ganhar só dessa vez... peço uma nova rodada do seu jogo... peço minhas coisas de volta... peço que se foda... peço que não me interrompa... peço sinceridade... peço para não parar e não parar e não parar... peço mais uma dança... peço mais uma dose dessas coisas tão transparentes com gelo e limão... peço um minuto de silêncio... peço esclarecimentos... peço para me desamarrar - pois a brincadeira acabou... peço para me escutar... peço para me dizer... peço uma aspirina ou algo mais forte... um copo de água... um pouco de caos... um futuro... peço fogo - ninguém tem... peço para acabar logo... ou para acabar jamais... peço que volte... mando você ir... peço o troco... ou tudo ou nada... peço com um grito agudo sua voz grave dentro de mim... peço demissão... peço um beijo... peço mais um trago... peço que não se aproxime... peço aos céus um dia de chuva e um de folga... peço que não me abandone... peço que você não me procure... peço licença ao entrar... nem bato na porta... peço para não ter que sorrir, para que não falem de mim... peço calma quando não tenho... peço sanidade... peço uma vida nova... um tapa... um tempo... outro tapa... tudo o que peço passo a deixar de pedir...

*e não costumo pedir tanto, mas esta carência nos meus pedidos é, além de exortações, um ato de expurgação... lamento que não possa me pedir para parar de pedir... na verdade, não lamento nada...

*ao som de Clan of Xymox - Creatures.

sábado, 1 de maio de 2010

Poesia-conceito

 


O poema é esquecer-se numa presença...

é tentar-se viver e querer livrar-se

num conhecer submerso à descrença

e à impaciência alheia...

perder-se nos olhos esburacados

de quem para para ler...

No poema viramos uma semente

que brotará algo que não somos

algo que morre ao virar verso...

algo que vive nos conceitos de alguém...
nós nos outros

depois que deixamos de ser "nós" apenas...

espera...

 *Pino / Desire


Chora as mãos no meu corpo...
treme enquanto me ousas
antes o passo da boca
antes tristeza, antes conflito
geme o momento sempre único
viva segundos mais que horas
amor mais que saudade
vida mais que solidão.
Que eu seja sempre
teu momento último
em cada momento teu...
Pois o rabisco
que me deixas na alma
dissolve-se na parte longínqua
da nossa história distante
no emblema da loucura
na carícia desta ausência
aqui...
puros que somos
todos os falsos culpados...

carcaça


a carcaça que me leva dias à frente dói como aquele desespero que nos toma de uma só vez - este monstro de fuligens que  nossas narinas e boca  cobre com as mãos...

estas letras rastejam com a carcaça, como se ela arrastasse consigo grilhões de uma condenação - num cortejo barulhento, aos gritos do ferro ao chão...

a carcaça às vezes oprime seu conteúdo, faz valer-se mais que o ser que lhe fundamenta, que lhe dá sentido - como se fosse oca, move-se, galopando desordenadamente nos movimentos repetitivos do acaso...

tédio


*Zdzislaw Berksinski

Um segundo de tédio 
é todos os segundos de tédio.  

quinta-feira, 29 de abril de 2010

a vida engatilhada...

 no gatilho da vida, a ameaça é a própria vida - não a que concebemos, mas a vida fora da vida, fora de nós... há um cano diário apontado para o nosso nariz nos impelindo a viver, assim que acordamos... de quem é este dedo que puxa o gatilho?

quarta-feira, 28 de abril de 2010

(análise) A Melancolia do Escaravelho



Sobre os meus (não meros) personagens: uma análise de criação

F. é uma mescla de duas realidades: uma sempre futura e distante, a outra, passada e intransponível. Todas reais, mas imaginadas. E a força de sua pele domestica minha alma diariamente, pois meu corpo todo e minha mente são estampados por suas palavras, pelos seus anseios, pelo seu canto de ausência e de encontro.

Eu, como também uma (não mera) personagem, sou o ponto de impacto de F., o momento em que as coisas surgem e o espaço em que elas podem viver. Às vezes sou seu contraponto, mas posso ser também o ambiente em que F. reina e se funde, ou mesmo a extensão de si e de seus atos. Posso me permitir sem aceitar julgamentos.

F. vive uma vida normal – diferente de mim. Mas possui igualmente uma vida oculta - vive a sua sanidade dentro de um espaço apropriado para ela e a loucura deixa vir nestes momentos de solitude. Estou, por vezes, na sua solitude. F. quer sempre fugir para uma destas esferas. Eu vejo seus passos com atenção e certo sadismo, confesso. Mas o compreendo inteiramente. Apesar de não participar de sua cortesia polida e socializada, tenho F. em todo o resto. Ele gosta dos holofotes, do brilho, da bebida paga, do cortejo de corpos, dos títulos, bem como parece se esquivar para um momento onde a fera que há em si precisa sucumbir e retornar. Há, sim, timidez em F. – o que o faz ainda mais interessante.

Dentro de F. há uma fera - antes que eu esqueça de me aprofundar – dentro de todos nós, afinal! E me aproximo da fera que F. é durante as tempestades noturnas que carrega em sua alma. Vivemos a fuga dele e o meu sempre retorno de mim. Alongamos os corpos num mar de palavras, de imagens, de sussurros, de mutações. Como o ópio, a fera de F. me faz queimar. Como a chuva compassada no seu rosto, o faço viver um pouco além de suas superfícies.

F. me tem nas mãos apenas nos momentos em que se subtrai do mundo comum. O seu comum eu observo com certa náusea. Há admiração de F. longe de mim e até dói quando o vejo (in) diferente, mas o aceito, porque o admiro. Lá, no “longe”, F. não é tangível. No “longe” talvez F. não me aceitasse – seriam apenas os sorrisos de sempre e nos manteríamos em águas rasas.

Mas há ainda as tardes quentes, há o ar puro travado dentro das vias nasais na ausência de amarras. Há estouros e bombardeios de ideias no gosto da saliva viva, nos dentes cravados nas várias partes do dorso, no frio da rocha abaixo de mim – que me escora em cada pulso vindos dele. Há seus olhos jamais calados e os significados disso tudo ofegados na altura do meu consentimento.

Se amo F.? Não sei ainda destas complexidades. Amo F. a minha maneira, eu acho. Amo seus braços, sua respiração, o cheiro da sua pele. Amo a ideia que me contamina. Amo seu gosto estrangeiro. Mas não penso sobre o amor: com F., eu vivo o que sou, o que ele é e o universo que compartilhamos. Ainda não penso se F. me ama – não me interessa ainda esta estranheza. Com F., vivo a criação e a criatura ao mesmo tempo, quando o criador me é internalizado – vivo a criatividade. F. me faz observar o que me atrai e sua ausência. É alguém que ainda me modifica sem querer me anular.

terça-feira, 27 de abril de 2010

ATA-ME (excerto)


 *Antônio Melo (imagem)
(...)
Enterra a carne sob a carne
Arranha o céu sem tormento
Que a boca busca
o sopro que resta
no ar que lateja
sem falso lamento
que o corpo só é caminho...
jornada de quem deseja...
(...)

CURA (um fragmento de uma memória qualquer)



a S.M.N.T. (e a mim mesma)
 
Ninguém leva a sério as palavras finais até elas deixarem de ser palavras e virarem outra realidade, virarem qualquer coisa que anteriormente já indicavam...

(...)

Daquela dor que havia antes em mim, daquele recortar contínuo de tudo o que tinha de bom, não sinto falta... pois não tinha consciência e vivência suficiente do processo de usurpação da minha alma, da tentativa de impotencializar-me, (...) hoje criei meus próprios processos multilatórios e regenerativos, sem precisar que alguém me roube o meu melhor e o meu pior para me fazer doer. Entendo também que doer faz sentido e possui um valor integrante, valor de contraponto, valor fundamental. Se ontem estirpavam de mim coisas sem me transformar em algo novo, hoje me despedaço propositalmente para entender o que sou e para viver – mesmo sabendo que o entendimento não é um fim – na verdade o entendimento nem é tanto assim...

"Só nos curamos de um sofrimento depois de o haver suportado até ao fim." (Marcel Proust)