Sobre os meus (não meros) personagens: uma análise de criação
F. é uma mescla de duas realidades: uma sempre futura e distante, a outra, passada e intransponível. Todas reais, mas imaginadas. E a força de sua pele domestica minha alma diariamente, pois meu corpo todo e minha mente são estampados por suas palavras, pelos seus anseios, pelo seu canto de ausência e de encontro.
Eu, como também uma (não mera) personagem, sou o ponto de impacto de F., o momento em que as coisas surgem e o espaço em que elas podem viver. Às vezes sou seu contraponto, mas posso ser também o ambiente em que F. reina e se funde, ou mesmo a extensão de si e de seus atos. Posso me permitir sem aceitar julgamentos.
F. vive uma vida normal – diferente de mim. Mas possui igualmente uma vida oculta - vive a sua sanidade dentro de um espaço apropriado para ela e a loucura deixa vir nestes momentos de solitude. Estou, por vezes, na sua solitude. F. quer sempre fugir para uma destas esferas. Eu vejo seus passos com atenção e certo sadismo, confesso. Mas o compreendo inteiramente. Apesar de não participar de sua cortesia polida e socializada, tenho F. em todo o resto. Ele gosta dos holofotes, do brilho, da bebida paga, do cortejo de corpos, dos títulos, bem como parece se esquivar para um momento onde a fera que há em si precisa sucumbir e retornar. Há, sim, timidez em F. – o que o faz ainda mais interessante.
Dentro de F. há uma fera - antes que eu esqueça de me aprofundar – dentro de todos nós, afinal! E me aproximo da fera que F. é durante as tempestades noturnas que carrega em sua alma. Vivemos a fuga dele e o meu sempre retorno de mim. Alongamos os corpos num mar de palavras, de imagens, de sussurros, de mutações. Como o ópio, a fera de F. me faz queimar. Como a chuva compassada no seu rosto, o faço viver um pouco além de suas superfícies.
F. me tem nas mãos apenas nos momentos em que se subtrai do mundo comum. O seu comum eu observo com certa náusea. Há admiração de F. longe de mim e até dói quando o vejo (in) diferente, mas o aceito, porque o admiro. Lá, no “longe”, F. não é tangível. No “longe” talvez F. não me aceitasse – seriam apenas os sorrisos de sempre e nos manteríamos em águas rasas.
Mas há ainda as tardes quentes, há o ar puro travado dentro das vias nasais na ausência de amarras. Há estouros e bombardeios de ideias no gosto da saliva viva, nos dentes cravados nas várias partes do dorso, no frio da rocha abaixo de mim – que me escora em cada pulso vindos dele. Há seus olhos jamais calados e os significados disso tudo ofegados na altura do meu consentimento.
Se amo F.? Não sei ainda destas complexidades. Amo F. a minha maneira, eu acho. Amo seus braços, sua respiração, o cheiro da sua pele. Amo a ideia que me contamina. Amo seu gosto estrangeiro. Mas não penso sobre o amor: com F., eu vivo o que sou, o que ele é e o universo que compartilhamos. Ainda não penso se F. me ama – não me interessa ainda esta estranheza. Com F., vivo a criação e a criatura ao mesmo tempo, quando o criador me é internalizado – vivo a criatividade. F. me faz observar o que me atrai e sua ausência. É alguém que ainda me modifica sem querer me anular.
2 criaturas minhas explicadas por uma delas...
ResponderExcluir...Sem palavras...totalmente...vou Ler novamente, estranhamente bem dito...Verdadeiramente exageradamente bem traçado. Parabéns!
ResponderExcluirBjo!
Namastê!
Thanks, Lindinha!
ResponderExcluirfico feliz que alguém tenha compartilhado desta estranheza...
bjs