(...) Nos olhos quase desatentos transfigura um mundo interno – pensamentos quentes e voláteis como a brisa que penetra o ambiente. Um pouco de alma, de sua própria alma transposta, carregam os pedaços silentes a serem picados entre os dedos seguros. Pedaços eternos que ela leva aos lábios com a calma e a delicadeza de um ritual, onde o corpo é a nave principal de um templo sagrado e o suco que lhe brota por entre os dentes profana e conjura ao mesmo tempo cada fibra de si – declinam-se as pálpebras para baixo, num ato de reverência.
Quando a espera já se faz carrasca, a fome alheia lhe cerca, infiltrando as mãos por entre o vestido e a pele fresca, fazendo-a estremecer enquanto a ponta da faca se aprofunda no dedo fino, trazendo consigo uma gota de dor, de vida, de pressa, de pulso...
(...)
O corpo sobre a mesa de madeira tem o gosto da solidão e da saudade da infância; de fruta e de chuva se fazem os lábios; do mar salgado, as lágrimas que se projetam posteriores ao pequeno corte. A boca é gelada e quente ao mesmo tempo - frio febril das flores almiscaradas que se abrem ao cair da noite no corpo, que se rompe quando os dedos traduzem anseios, içando roupas e falsos pudores. Nos seios, a suavidade cítrica das laranjas, doces e macias, tão traiçoeira como a sensação de quem olha para o céu claro em dia limpo e se perde. (...)
...frio febril das flores almiscaradas...
ResponderExcluirUauu! queria ter escrito isso.
Gosto dessas sensações imaginadas nessas letras imagéticas e sinestésicas. Belo!
Imagens, sensações, profundidades... lindo demais...
ResponderExcluirLer é um salto no escuro aprofundamento das imagens alheias, e também nossas...
ResponderExcluirbjs a todos
Estava a ler as teias do teu texto e fez-me imaginar a Alma como um cálice em que se devora a eternidade
ResponderExcluir